Paulina Pinsky: o olhar através do cenário
Por Susana M. Moreira
Enquadrar o trabalho pictográfico de Paulina Pinsky como integrante da arte naïf indicaria o caminho supostamente óbvio. Entretanto, várias características da pictografia da artista extravasam os limites de tal classificação, ou de qualquer outra tentativa de rotulação, como de resto acontece com inúmeros artistas contemporâneos.
Paulina é uma pintora cenarista, que trata de personas e phántasmas, como figurações tão importantes quanto os objetos e cenários representados, conformando-os em jogos de bricabraque (bric-à-brac), nos quais usa até bricolagem em exercícios que recortam e remontam basicamente as dimensões tempo e espaço.
Neste sentido a artista excursiona com seu olhar arqueológico e “fala” de suas visões de tradições religiosas judaicas ou de insights do seu cotidiano, do inconsciente coletivo e do aqui e agora, conjugando-os inclusive em algumas de suas representações. Nestas pictografias configuram-se alegorias que não caberiam no espaço da perspectiva clássica, pois trazem a necessidade da ambigüidade e da multiplicidade visual. Da dinâmica instaurada além dos “truques” óbvios desta multiplicidade de pontos de vista, surgem soluções surpreendentes.
Durante o processo criativo a concepção espacial geral pode partir de um desenho inicial, mas a elaboração definitiva e o detalhamento vêm do pincel, na pintura — neste sentido é correto dizer que até a espacialidade da obra é decidida durante sua execução. Como este processo é dinâmico, traz momentos de disparidade: de silêncio ou de “ruído”, desenvolvidos ao nível formal mais do que vinculados às questões temáticas. Por exemplo o que acontece com o uso da cor: como a palheta da artista é ampla, mas com constância do emprego das cores ditas fortes, oriundas do fauvismo, o uso ocasional da “não cor” pode provocar impacto, como na conjugação do branco e preto para formar um objeto, ou do cinza mais puro feito só com estas duas cores; ou mesmo os quadros fora do quadro na reutilização das molduras, ou o uso de recortes e de espaços vazados.
Sobre a trajetória da artista convém lembrar que não é subdivisível em fases, mas em “momentos de predominância”, frágeis mas tangíveis, fragmentados porém legíveis, o que aliás seriam adjetivações comuns à obra pictórica em questão, se tratada de forma sintética e simplista. Paradoxalmente é nos detalhamentos, nos preciosismos, nos elementos recorrentes, que reside parte considerável da força plasmática destas pinturas.
Paulina nos contempla com resoluções interessantes de visão panorâmica (historicamente mais constantes nas representações classificadas como de arte naïf) em tentativas de retratar com sua objetiva grande-angular, contudo é nos espaços mais intimistas, nos seus exercícios criativos de ilusão de óptica, nas supostas despretensiosas brincadeiras de interiores, que ela consegue melhor enredar-nos. Até quando a artista estende seu tapete-passadeira em locais insólitos, como sobre a areia da praia, fica irrecusável o convite de fazermos parte do quadro.
Excetuando as referências à arte naïf há outras a reter: o cubismo, situado em “certo” Picasso, mas mesmo além dele em alguns trabalhos de David Hockney; o surrealismo, na sobreposição e recortes de elementos realistas imaginários — ecos de Magrite; nas cores e/ou na constância do uso de pormenores decorativos surge Matisse; o universo de objetos e pessoas “fora de lugar”, como lembrança de Chagall ou do brasileiro Cícero Dias.
Mas a artista constrói muito mais além destas possíveis referências, criando seu próprio universo e por acreditar na propriedade da definição do filósofo Henry Maldiney — “a arte é a verdade do sentir” —, reitero estas sábias palavras celebrando-as uma vez mais no convívio com as obras de Paulina Pinsky.
Susana M. Moreira
Doutoranda e analista de arte
Abril de 1.998